Quando minha primeira criança nasceu, eu a observava muito. Minha mãe (fonte confiável pra mim) tinha me dito para só olhar e tentar entender o que está acontecendo com o bebê. Isso fez muito sentido pra mim, pois um bebê não sabe nada sobre o mundo, isso deve ser assustador! Imagina você acordar um dia na Sibéria com amnésia total. Você não sabe nada sobre o mundo, você não entende nenhuma língua (ou seja, nenhum som que você escuta faz sentido pra você), você sente várias coisas que não compreende (essa sensação estranha na minha barriga eh o que?). Além disso, como você se esqueceu como andar, desconhecidos te movem de um lado pro outro, tocam em você, te passam algo úmido na sua pele que depois deixa uma sensação boa (estava sendo limpo). O mundo lhe parece confuso, caótico, incompreensível. Com sorte, você terá alguém de confiança para te ajudar a entender esse mundo, que cuidará de você e te ensinará a se expressar. Isso faz tudo ser bem menos assustador. Com as crianças, não é muito diferente.

Um bebê que passou meses no escuro nasce e não consegue enxergar bem, mas em compensação é capaz de reconhecer vozes e de sentir cheiros. Seu pulmão nunca recebeu ar, e a partir da sua primeira respiração se expande pela primeira vez, causando uma sensação completamente diferente daquela dentro do útero. Você sente um ímpeto de buscar conforto e salvação do caos, um desespero genuíno que todo e qualquer ser humano sentiria. Entretanto, bebês e crianças sofrem com um agravante: eles ainda estão em um processo fisiológico que dificulta a autorregulação. Por isso, precisam da ajuda de adultos. Nós, adultos, muitas vezes temos o aparato fisiológico que nos torna capazes de autorregulação, porém nosso desafio é a falta de repertório emocional para isso. E se não temos repertório emocional, como vamos ensinar às nossas crianças?
Quando observamos o comportamento como manifestação da tentativa de comunicação de bebês e crianças, passamos a não rotular comportamentos como "bons" ou "maus": o comportamento passa a ser visto como um sintoma cuja raiz do problema temos que diagnosticar. Esse processo vai então nos dizer o que a criança está sentindo de facto, ou seja, para adiem daquele comportamento.
Por sermos uma espécie muito complexa, a quantidade de variáveis a serem consideradas implicam que cada indivíduo é único. Por isso é tão importante observar a criança e tentar entender esses sinais que ela indica. Em termos práticos, isso significa não só perguntar como foi o dia na escola, mas observar as reações quando é hora de ir estudar ou falar de algum colega. Uma nota baixa, por exemplo, diz mais sobre a criança precisar de ajuda para processar o quê quer que esteja acontecendo com ela. A nota baixa em si não é o problema. Essa criança está claramente desmotivada com a escola, mas por quê? Não é porque ela é preguiçosa ou simplesmente não gosta: talvez ela não saiba ser diferente. Talvez ninguém tenha ensinado como estudar ou que aprender pode ser divertido.
Antes de julgar um comportamento ou rotular uma criança, é preciso buscar entender o todo que está levando a esse comportamento. Até porque, muitas vezes, somos nós grande parte do problema, não as crianças.
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